terça-feira

Conselho Tutelar

Participação Popular x Oportunismo Eleitoral


Criado para servir de instrumento de apoio às crianças e adolescentes na garantia de seus direitos fundamentais, o Conselho Tutelar está prestes a passar por um processo de análise de sua função e funcionalidade.

Dentre as grandes e oportunas inovações estabelecidas pela Lei nº 8.069/90 que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está sem dúvida a previsão de criação, em todos os municípios brasileiros, de ao menos um Conselho Tutelar, que por definição legal é "órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente...". E, ele foi criado com base no principio constitucional da democracia participativa onda a sociedade não apenas delega poderes, mas sim participa ativa e diretamente da solução dos problemas envolvendo suas crianças e adolescentes, ao contrário do que regia a lei anterior, onde a figura do Juiz de Menores centralizava as decisões, tornando questões de cunho social, parte da burocracia e morosidade da máquina judiciária.

Diz o art.132 do ECA, que os Conselhos Tutelares serão compostos de, pelo menos, 05 (cinco) membros, escolhidos pela população local. O processo de escolha depende do que estiver estabelecido na legislação municipal específica. Em Macaé já tivemos a eleição feita por representante de entidades cadastradas no Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, mas, agora o modelo é o de eleição direta.

De uma forma ou de outra, é imprescindível que a população tome conhecimento e participe do processo de escolha, servindo este momento para a reflexão, conscientização e discussão sobre as questões relativas à área da infância e juventude no município, a fim de que sejam escolhidas para a função pessoas realmente comprometidas com o respeito à Lei, à Constituição à criança e ao adolescente.

Acontece que essa proposta de participação popular consciente está tomando outro rumo. Verificamos no atual processo de escolha dos conselheiros que está em andamento na cidade de Macaé uma conotação político partidário imensa, com candidatos abertamente apoiados por partidos e/ou ocupantes de cargos públicos, como vereadores e secretários municipais, visando ser uma demonstração de força política, visto que o próximo ano é ano de eleições municipais.

Isso desvirtua a concepção da lei. E gera casos onde o maior prejudicado é a criança e o adolescente, que corre o risco de ficar refém da boa vontade e do interesse pessoal dos conselheiros, uma vez que aqueles que deveriam ser autônomos em sua atuação, com liberdade de denunciar falhas na garantia dos diretos essenciais, estão comprometidos com entes políticos.

Esse tratamento dispensado às eleições do Conselho Tutelar por parte de membros do poder público (secretários, vereadores) bem sintetiza a idéia equivocada que ainda se tem a respeito do Conselho Tutelar: seria o órgão apenas mais um serviço assistencial prestado pela prefeitura municipal, à qual estaria diretamente subordinado. Porém, estes se esquecem que os mandatos dos conselheiros tutelares são conferidos pelo povo, tal qual o Chefe do Executivo e os Membros do Legislativo local, sendo que dentro de sua esfera de atribuições, previstas nos citados arts.95, 136, 191 e 194 da Lei nº 8.069/90, o Conselho Tutelar goza de amplos, que podem ser exercidos mesmo contra o Poder Público municipal, via de regra o responsável, ainda que por omissão, de graves violações a direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Tal qual a autoridade judiciária e representante do Ministério Público, o conselheiro tutelar goza de plena autonomia funcional, devendo as deliberações do colegiado respeito apenas à Lei, à Constituição da República, às consciências dos integrantes do órgão e à população que estes representam.

Nunca é demais lembrar que, ao contrário do que pensam alguns, o Conselho Tutelar não é um "programa de atendimento" à criança e ao adolescente, nem é o órgão que irá executar as medidas de proteção por ele próprio aplicadas. Por isso é imprescindível que o município tenha uma estrutura mínima de atendimento à infância e juventude e a suas respectivas famílias, com a criação e manutenção de programas de atendimento tais quais os previstos no ECA. Porém, na ausência destes, é função do Conselho Tutelar cobrar do poder público a implantação de uma efetiva política de atendimento mínima população infanto-juvenil local.

Assim sendo, para deliberar nesse ou naquele sentido, especialmente quando da requisição de serviços públicos, conforme determina o ECA, não precisa o Conselho Tutelar buscar "autorização" para agir quer do Conselho Municipal de Direitos, quer da secretaria ou departamento municipal ao qual está administrativamente vinculado, quer do Prefeito Municipal, representante do Ministério Público e/ou Juiz da Infância e Juventude, devendo apenas justificar de forma adequada a necessidade da medida e, em sessão própria, atingido o quorum regulamentar, assim o determinar, notificando a autoridade para que cumpra a decisão respectiva, sob pena da prática da infração administrativa.

Tudo isso gera perguntas que devem ser respondidas, não apenas pelos legisladores, pelo poder executivo ou pelo judiciário, mas por toda a sociedade: Qual o melhor processo de escolha dos conselheiros. Eleições diretas ou eleições por colégio eleitoral? Será que um concurso público não seria a melhor solução? Como garantir isenção e autonomia dos conselheiros, se estes contam com apoio político? E, devemos ser rápidos, pois as crianças e adolescentes esperam ansiosos por estas respostas...

Antonio Felipe de Almeida Gonçalves

  • Jornalista
  • Ex-conselheiro Tutelar de Macaé
  • Gestor em Direitos Humanos da Secretária Especial Nacional de Direitos Humanos
  • Membro do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Macaé
  • Especialista em Gestão de Entidades do Terceiro Setor
  • Diretor Presidente do Instituto Grupo Escoteiro Macahé – 115ºRJ

Um comentário:

  1. É realmente a política partidária não devia fazer parte desse çprocesso que vai além de pliticagem barata e assistencialista.
    Não podemos deixar isso se perder.

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